quinta-feira, 6 de setembro de 2007

A Tradição do Balé Clássico na Era Digital












"A ação na dança, é a arte de fazer passar emoções e ações à alma do expectador pela expressão verdadeira de nossos movimentos, de nossos gestos e de nosso corpo". Garaudy 1980

Por: Renata Görgen

Nos últimos 20 anos, as academias e escolas de balé clássico sofreram uma diminuição considerável do número de alunas. Segundo profissionais da área, como Gabriela Leite, Ana Formighieri e Jeannine Valoi Marinho, nas turmas onde anteriormente uma vaga era disputadíssima, hoje sobram lugares. Os tempos modernos trouxeram novidades como o jazz contemporâneo e outras modalidades de dança que provocaram maior interesse do público do que o tradicional e rigoroso balé.

Famoso pela disciplina "espartana" e treinamentos árduos, o clássico assusta as meninas da era digital, amantes do conforto e praticidade. Além disso, o custo das aulas clássicas é bem superior ao valor pago, por exemplo, nas academias de ginástica e musculação. Sendo o fator econômico determinante no momento da escolha da atividade física e artística das meninas e dos meninos atualmente.

Baby class: iniciando no balé
Até a década de 80, toda mãe queria colocar a filha no balé. Hoje em dia, este espaço é dividido com a ginástica artística e atividades intelectuais (cursos de idiomas, informática, etc). Afinal, quem não se impressiona com as aparições fantásticas da nossa equipe de ginástica? A modalidade evoluiu e ganhou expressão no Brasil, conquistando o gosto popular, enquanto o balé foi ficando cada vez mais elitizado.

Gabriela Leite, 19 anos de idade e 8 de balé, confirma os dados acima e diz que o número de meninas vem diminuindo sim, baseada na sua experiência como professora. Algumas mães ainda optam pelo balé graças à necessidade das filhas trabalharem a postura e a graciosidade. Para Gabriela, "quando as crianças atingem a adolescência, a probabilidade de abandonarem o clássico aumenta pela falta de interesse por uma dança tão "quadrada" como o balé". Até surgem timidamente alguns profissionais que adaptam as aulas de balé para facilitar a execução dos movimentos e conquistar mais adeptos, mas na verdade, o clássico não vai mudar a técnica nunca.

Segundo Ana Formighieri, também bailarina e professora de clássico, muitas alunas mantêm as aulas de balé na programação devido à excelente base e limpeza nos movimentos que nenhuma outra dança atinge. O balé é a base de tudo. Ana integra o grupo "Nós da dança" e desde os 18 anos é profissional. A falta de condições financeiras não seria, para Ana, o principal motivo para a redução de alunas, já que existem alternativas públicas como a Escola Maria Olenewa, na Lapa, que oferece ótima preparação gratuitamente, inclusive para o Corpo de Baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro . Ana acredita que a falta de divulgação contribui para que o balé corra o risco de cair no esquecimento... Citou o exemplo da repercussão que a dança de salão ganhou após as aparições em um canal de televisão aberta, ficando acessível a todos.

O Mercado no Brasil e na Europa
Os grupos de dança, como o "Nós da Dança", que possuem seu próprio espaço para ensaios, até conseguem se manter aqui no Brasil. O número de apresentações anuais é pouco para sustentar a estrutura dos grupos, cerca de três por ano. A Petrobrás oferece um patrocínio a cada dois anos para 10 companhias através do PROGRAMA PETROBRÁS CULTURAL, que movimenta R$2,9 milhões por ano. Com exceção de três grupos (Teatro Oficina, Grupo Galpão e Grupo Corpo), as outras companhias financiadas pela BR terão que se submeter à seleção anual para conseguirem renovar o patrocínio. Os grupos se sustentam utilizando o SESC para ensaios, contando com produtores estrangeiros e realizando espetáculos no exterior. Inclusive, bailarinos de comunidades carentes têm se dedicado com profissionalismo à dança e conseguido espaço fora do Brasil.

Um caminho inverso foi percorrido pela ex-bailarina e professora de dança, Jeannine Fernande Valois Marinho, 77 anos, francesa, que construiu uma carreira sólida no exterior, e conheceu um maestro brasileiro com quem teve três filhos e veio morar no Brasil. Como bailarina clássica foram 18 anos dedicados em diversos teatros (Nancy, Metz, Strasbourg e Paris-Europa), passou também por Reims (a capital da champagne), a 150 km de Paris. O currículo de Jeannine impressiona: no Ópera de Paris trabalhou com Mestre Denizart, madame Labisse e três anos com Helena Maximi, Grand Sujet da Ópera; na Ópera de Marseille com Nadine de Marsange; no Teatro Alhambra de Paris e durante cinco anos no Moulin Rouge!
Na casa de espetáculo mais famosa da França, que mereceu até uma produção cinematográfica com atores hollywoodianos, Jeannine dançou France CanCan e disse que o Moulin Rouge foi bem retratado no filme de mesmo nome, salvo alguns exageros. Aqui no Brasil, trabalhou nas academias de Johnny Franklyn, Sônia Machado e atualmente está no Sauer Arte, rua Lopes Quintas, Jardim Botânico. Chegou a se apresentar no Cassino Beirute na temporada de 1960-61, também dançando France Cancan. Foi lá que conheceu o maestro e marido Edison Marinho.

Jeannine observa que a classe média pratica cada vez menos balé devido ao custo das aulas, já que no orçamento da casa este tipo de atividade não tem prioridade num momento de economia. Fazendo um paralelo entre França e Brasil, ela analisa que culturalmente somos muito diferentes. As brasileiras querem sambar, adoram os ritmos mais quentes, enquanto na França, mesmo no inverno, o balé é praticado de maneira popular. Lá tem vários teatros e todos fazem apresentações com seus corpos de baile, sustentados pelo governo e também pela iniciativa privada. Coisa que não acontece no Brasil, onde a carência de espetáculos inibe o contato do público com a arte. Aliás, para Jeannine "o balé deveria ser mais democrático no país, apesar das atitudes tomadas pelos projetos sociais de balé clássico, a quantidade de praticantes continua descendo".
É interessante ressaltar que na Rússia, o Balé Bolshoi passou por dificuldades financeiras recentemente e a decadência foi inevitável. Já o Balé Kirov conseguiu sucesso dando mais harmonia ao clássico. Na França, por exemplo, existem dois programas para as óperas: uma versão clássica e uma mais popular, adaptada para atrair o grande público.
Uma arte tão plástica e exigente na execução dos movimentos pode sobreviver a era digital, desde que sofra algumas adaptações e consiga competir com as "marombas" de academia e a fase crítica em que as alunas precisam se dedicar aos estudos, prestar vestibular. Enfim, no Brasil, o balé necessita de uma reformulação geral e maior respeito por parte do governo. Incentivo e profissionalização talvez impulsionem o clássico num país que ainda está em desenvolvimento e acredita que um dia poderá se equiparar culturalmente ao países do Velho Mundo.

Orkut
No site de relacionamentos orkut, existem 44 comunidades de balé clássico registradas, contra mais de 1000 falando de ginástica. Estes números comprovam que o interesse pelo balé reduziu bastante e por isso fica mais difícil o clássico se sustentar no mercado.

Universos bem distantes
Definitivamente, raves e música eletrônica não combinam com o rigor do balé clássico. A era digital nos proporcionou novas descobertas, como por exemplo a internet, que trouxe uma mudança geral no próprio comportamento das pessoas. Algumas delas se falam menos pessoalmente , porque tem a facilidade do computador para se comunicar com os amigos. Num mundo onde as mulheres já possuem cargos de chefia, e algumas ganham um salário maior do que o de seus maridos, onde fica a delicadeza e fragilidade feminina? As meninas de hoje tem uma dificuldade enorme de se enquadrar em atividades rígidas demais, e na maioria das vezes completamente contrário ao gosto da juventude. Afinal, a música clássica não consta normalmente na lista de preferidos do ipod da garotada de hoje.

Um comentário:

Anônimo disse...

Infelizmente nas grandes cidades do Brasil, as academias de ginásticas estão cada vez mais cheias e as escolas de dança cada vez mais vazias.

A cultura do corpo "malhado", está na moda. Principalmente nas cidades de praia.

Diferente do ballet classico, as danças regionais como o forró, a lambada, a dança de salão e o samba, estão presentes na cultura popular brasileira.